negritude joão machado

João Machado – Negritude: Música para Guitarra Clássica das Áfricas e das Antilhas

12/04/2025
15:00 - 16:00
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João Machado – Negritude: Música para Guitarra Clássica das Áfricas e das Antilhas

João Machado apresenta na Casa da Guitarra, um recital que integra, entre outras obras, cinco curtas peças por ele compostas, a partir de melodias tradicionais da Lunda, recolhidas in loco na década de ’50 pelo musicólogo português Hermínio do Nascimento.

A Ideia

 

Nasceu em 1974, já depois da Revolução de Abril. Quando era pequeno, foi ouvindo muitos relatos de compatriotas que tinham deixado as colónias logo após as independências, vindo viver para Portugal. A essas pessoas chamava-se, na altura, retornados e contavam muitas histórias sobre a sua vida em África, com um misto da saudade e da tristeza de quem tinha deixado para trás o Paraíso. Falavam da simpatia do africano, dos animais, do contacto estreito com a natureza, da sua animada vida social, da beleza sumptuosa das paisagens e da riqueza daquelas terras. Os seus ouvidos despertos e curiosos de criança absorviam não só o que era relatado mas também a forma encantatória e deslumbrada como tudo era descrito e, assim, a sua imaginação começou a cultivar um fascínio e um interesse pelo continente negro que até hoje o acompanham. Numa das suas muitas pesquisas e leituras acerca da história e das culturas do continente, chegou ao conhecimento da Négritude, um movimento literário francófono que, no devir do tempo, também chegou a assumir-se como breve projeto político e cultural. Liderado por figuras como o poeta martinicano Aimé Césaire e o escritor e político senegalês Léopold Sédar Senghor, a Négritude procurava valorizar e exaltar os valores culturais das populações negras que tinham sofrido com o colonialismo francês, tanto em África como nas Antilhas.

 

Parecendo-lhe o conceito tão justo quanto pertinente, ocorreu-lhe a ideia de o estender da literatura para a minha forma de expressão, a música para guitarra clássica, e da francofonia para uma geografia mais extensa e diversificada. Uma das condicionantes que este projeto encerra é o facto de a cultura da África Negra ser baseada sobretudo na oralidade, o que dificultou a procura de partituras com as quais o reportório pudesse constituir-se. Juntando composições originais, transcrições e mesmo um conjunto de pequenas peças por João Machado compostas propositadamente para integrar este programa, tomou forma o recital que agora apresenta e partilha. Aos ouvintes, lança o desafio de tentarem discernir se existe de facto um sentir negro, uma forma própria de criar e de viver a música que confira alguma unidade a todas estas peças.

Programa

1ª Parte – Lá Longe
Frantz Casséus (Haiti, 1915-1993) – Haitian Suite
I. Petro
II. Yanvalloux
III. Mascaron
IV. Coumbite
Héctor Angulo (Cuba, 1932-2018) – Cantos Yoruba de Cuba
I. Asokere I
II. Suayo
III. Iyá Mí Ilé
IV. Borotití
V. Asokere II
VI. Iyá Mo Dupé
VII. Yeye Bi Obi Tosuo
VIII. E Iekua
IX. Asokere III
2ª Parte – Do Lado de Cá do Mar
Toumani Diabaté (Mali, 1965) – Jarabi
Airton Fortes (Cabo Verde, 1977) – Fantasia Criola
I. Maré Tardio
II. Kel d’Meio
III. Morna Verde
IV. Rob (Cauda em Criolo)
João Durão Machado (Portugal, 1974) – Cantos da Lunda
I. Txicué-Cué
II. Sacaua
III. Murileno
IV. Calumbo
V. Muafeio
Taiwo Adegoke (Nigéria, 1992) – Two Nigerian Folk Songs
I. Akwukwo Na To Uto
II. Orin Ibeji

Notas ao Programa

Frantz Casséus foi o principal rosto da guitarra clássica no Haiti. Influenciado pelo jazz e pela música clássica europeia, manteve, no entanto, a sua atenção voltada para as formas tradicionais do seu país. A Haitian Suite, composta em 1954 nos EUA, para onde tinha emigrado oito anos antes, é a sua obra mais extensa e porventura a mais popular. Os seus quatro andamentos desenvolvem-se com um grande sentido de liberdade e espontaneidade harmónica e apresentam uma invulgar riqueza rítmica, plena de variadas subtilezas.
A partir do século XVI, o povo Yoruba, originário de uma parte do que é hoje a Nigéria, viu muita da sua gente deslocada para o continente americano, a bordo dos infames navios negreiros. Levaram consigo para o Novo Mundo a sua cultura e as suas canções. Héctor Angulo, destacado compositor cubano, harmonizou e adaptou para a guitarra clássica algumas dessas melodias, previamente recolhidas pelo musicólogo Martínez Furé, também cubano. Escritos numa linguagem ousada e profundamente original, onde se chega a alternar a máxima delicadeza com a mais física agressividade, os seus Cantos Yoruba de Cuba são um conjunto de pequenas pérolas do reportório do instrumento que, em larga medida, ainda não recebeu o reconhecimento que se justifica. Toumani Diabaté é um músico originário do Mali, país situado em pleno deserto do Saara, que se dedica a um curioso instrumento. A kora, feita a partir de uma cabaça e tendo habitualmente vinte e uma cordas, acaba por ser um híbrido entre a harpa e a guitarra. Jarabi, o nome da peça hoje aqui apresentada, significa “paixão” em bambara, que é, a par do francês, a língua mais falada no Mali. A transcrição para guitarra é do guitarrista sul-africano Derek Gripper.
Airton Fortes, guitarrista cabo-verdiano, está radicado há vários anos em Portugal. A sua Fantasia Criola, peça premiada no concurso internacional de composição Sabin Pautza, Resita, na Roménia, constitui-se como um conjunto de pequenos quadros musicais, evocativos de ritmos tradicionais de Cabo Verde, escritos numa linguagem harmónica distensa, mas intensamente colorida.
A escrita de Cantos da Lunda partiu de um encontro casual com um livro da autoria de Hermínio do Nascimento (1890-1972), onde este musicólogo português fixou em partitura a recolha de doze canções da província angolana da Lunda, realizada na década de 1950. Num processo semelhante ao que havia sido realizado por Héctor Angulo, em Cantos Yoruba de Cuba, escolhi cinco dessas melodias para harmonizar com uma linguagem moderna que fosse ao mesmo tempo harmonicamente colorida, ritmicamente viva e, aqui e ali, apresentasse algumas notas de relativa aridez. A ideia de aliar estas três características foi a de representar, respectivamente, o humor característico do angolano, a sua propensão para a dança e para o movimento, e a relativa secura do clima e das paisagens majestosas do Nordeste de Angola. Taiwo Adegoke é um jovem guitarrista, compositor e professor nigeriano. A par de composições originais para guitarra e outros instrumentos, Adegoke realizou numerosas transcrições de canções populares das diferentes tribos do seu país. Akwukwo Na To Uto significa, na língua dos Igbo, algo como “aprender é bom”. Orin Ibeji, por seu turno, é uma canção que os Yoruba cantam quando pretendem que uma mulher grávida dê à luz irmãos gémeos.